domingo, 25 de novembro de 2012

Disk-suicídio


Tomazoni, nosso atemporal soldado-anão das aspas bem citadas, agora trabalha num disk-auxílio.
- Tele-suicídio: aqui você olha para baixo, e a gente dá o empurrãozinho. Boa noite. Em que posso ser útil?
- Eu quero morrer...
- Sim, e teria outra razão pra nos ligar? Você se acha especial porque quer morrer? Quantos esclarecidos não me ligam toda a noite querendo o mesmo, hein?
- É, acho que comecei mal... É que decidi isso faz 5 minutos. Antes eu estava colocando minhas desilusões no papel, pensei em publicar um livro até e...
- Onde você se encontra agora, infeliz criatura?
- No meu apartamento.
- E seu apartamento no centro antigo tem um colchão no piso de tacos que lhe serve de cama? Terminou recentemente uma relação amorosa com uma bela mulher? Trata um gato de rua como seu melhor amigo? Se masturba pensando na subversividade do gesto diante da mediocridade social imposta?
- Isso! Como você sabe? E, ainda por cima, eu curso Letras!
- Perfeito! Então publique seu livro em primeira pessoa, seja chamado para grandes eventos culturais, desenhe quadrinhos e jogue vídeo-game. Um escritor medíocre de sucesso é melhor do que nada... E, depois de tudo isso, e somente depois de tudo isso, volte a me ligar. Todo escritor hype, depois de morto, vira objeto de cult.
- Nossa, eu até tenho o David Foster Wallace na parede do quarto...
- Perfeito, garoto! Já está entrando no clima dos sete palmos subway style, tá ligado?! E pra seguir em frente, o que te mínguas, índio véio?
- Não... 
- Não?
- Não...
- Não?
- Não... Eu quero morrer hoje...
- Sábia decisão! Vamos então à parte prática: já colocou o Unplugged do Nirvana pra tocar?
- Sim, tenho o vinil.
- Ótimo, um vinil sempre deixa o suicídio mais indie-vintage descoladinho. Orgulho de você, garoto! Já abriu o gás do forno e enviou a cabeça dentro?
- Botijão está vazio.
- Cazzo! Mas vamos lá... Desligue o Nirvana, já que você não vai atingir ele mesmo, certo? Hehe, sacanagem... Tente outro álbum. Hum... Tente o Hail to the Thief, do Radiohead. E abrace um livro da Zibia pra partir bem acompanhado. Têm eles aí?
- Sim. Mas... Você me espera? Não vai desligar? Promete?
- Claro que não, garoto! Minha função é te ajudar “a ter a pá de cal sobre suas veias”.
- Bonito isso, vou anotar. Quem foi que disse?
- Um cara lá da Cracóvia.
- Hã... já volto.
(...)
- Tô aqui.
- Continuemos, pois. Tu queres uma morte rápida ou uma morte lenta, “morte triste, dolorida”, como já dizia Teixerinha.
- Teixerinha?! Ãã... Acho que quero uma morte lenta, eu quero sentir a dor da espera em minha rubra seiva vital nesta madrugada que cai lúgubre e...
- Tá bom, tá bom, chega de clichês, deus do céu! Cacete... Como amo meu trabalho! Faz o seguinte: engole dez Mentos e vira um litrão de coca-cola. Dá cinco cambalhotas e faz a oração da cabra-preta, depois chama o Samu pra recolher. Tá compreendido, hein ôô...
- Vou lá buscar, pera só um pouquinho.
(...)
- Voltei. Mas... Podemos conversar um pouco antes de...
- É seu direito, guri. Qual é sua orientação polítca?
- Sou esquerda. Toda a galera da facul é esquerda. Meu pai diz pra eu votar nos tucanos, e eu sempre voto nos tucanos, pois os tucanos sim que fazem uma oposição mais inteligente que os socialistas. Neo-liberalismo é a melhor esquerda que existe, até porque...
Tá certo, ta certo... Garoto esperto, hein! Agora vira as cambalhotas. E come um doce, come um doce.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Parábolas de Auto-ajuda que O Mago Nunca Colocou em Seus Best-Sellers


Durante os testes, o cavaleiro ordena que Tomazoni catapulte o norte. É por lá que os venezianos nos atacam, é lá que deveis treinar a sua mira.
Tomazoni adota outras perspectivas. Outros ângulos. Sempre adotou. Suas regras se opõem às regras do castelo.
Trinta graus direita. Nove horas. Dezessete graus. Doze horas vá lá, por que não, às vezes? Gira para um lado. Gira para outro. Coça o queixo. Sua criatividade é sua arma mais segura.
Vira a catapulta sentido contrário. Seis horas. E arremessa. A pedra voa por sobre a muralha sul do castelo. E mais outra. E mais outra. O cavaleiro grita, esbraveja. Ao norte, homem, ao norte! Crateras são abertas nos campos do sul.
Meses depois um espião inimigo cavalga na madrugada por aquelas bandas. O cavalo cai num buraco, ele quebra a clavícula. É preso e mandado de volta como contra-espião (o pagamento seria em anchovas mensais).
Inverter a perspectiva, Tomazoni diz, é deixar de ver com os olhos do outro.

A subjetividade é a única verdade. (Kierkegaard)

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Relatos da Corte nº 05

   Então, certa feita, apareceu um maluco no castelo dizendo querer unificar toda a Itáglia. Tomazoni, nosso anão-herói de sabedoria piemôntica, desconfia, coça a nuca soltando um "cazzo" baixinho. O excêntrico tinha a voz do Thiago Lacerda, os olhos do Thiago Lacerda, o nariz do Thiago Lacerda, e quando uma brisa esvoaçava sua longa cabeleira, ele abria um sorriso colgate para um retratista inexistente, olhava para trás em movimento slow-motion e dizia ANDIAMO, ANITA, ANDIAMO! Uma cara alegre, no más.
   Tomazoni, assessor especial para assuntos políticos deveras pós-modernos, alerta o duque com a altiva sugestão de trazê-lo diante de toda a corte reunida. Deixe o maluco falar, ó altíssimo! (o duque media um e sessenta e cinco).
   O modo como o viajante chegou a Curitizábria levantou suspeita: de navio. Mas acontece que Curitizábria não tinha mar, nem lagoa, tampouco rio ou qualquer arroio de merda. O navio veio puxado por uma manada de bois, cavalos, jumentos e capivaras. 
   Diante de toda a corte reunida, nosso herói-anão questiona o visitante. Como assim, unificar? E o que será das guerras, das traições, conchavos, e o roteiro do Game of Thrones? Nada mais belo do que o brilho prateado de uma espada. Sem saber o que responder, o rapaz com orelha de Thiago Lacerda, queixo de Thiago Lacerda, barba de Thiago Lacerda, cujo cabelo ondula ao menor sinal daquela corrente nordeste que sempre sopra no salão do castelo, abre um sorriso Gessy para uma foto deveras longe de ser inventada e vira a cabeça em câmera-lenta sonorizada pelo técnico da séria “A Mulher Biônica”, e diz ANDIAMO, ANITA, ANDIAMO!
   Tomazoni sussurra no ouvido do duque que aquele barco parado lá fora o fez lembrar a cena final da peça Tróia, aquela do cavalo de madeira. O rascruvinhador, raposa velha e astuta, querendo mostrar seus conhecimentos literários, pergunta: de qual vos dizeis, meu nobre anão? Do livro ou da peça? Pois o livro veio bem antes, dos tempos gregos, e narra as aventuras de Helena, Aquiles, e de Ulisses! Não conheceis tal tomo?, e dá um sorrisinho mal escovado pela Flex-A Carioca. Tomazoni não perde o rebolado: Ora, ora, falo da peça! Nem sabia que haviam feito um livro da peça! Bando de plagiadores. E vós só podeis estar falando daquele livro estúpido, que narra as vinte e quatro horas de um saxão bêbado! Fique sabendo que Molly é o nome de uma puta em Firenze que já deu pra metade da cidade, e a outra metade só não comeu porque é mulher, criança ou afeminado. Fluxos de consciência o levem, e cale a boca. Tomazoni atira jujubas no rascruvinhador, e esse as recebe de boca aberta.
   Voltando ao rapaz idealista, este já tinha dado no pé. Mas foi recapturado. E teve o dedinho do pé cortado por conspiração.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Pedras Vermelhas não Estragam o Salto Agulha


E, fechando o manual do carro novo, recém adquirido, vi que estava em Marte. Não me incomodava, junto ao estômago, as imprecações dirigidas ao botão do ar-condicionado, que teimava em não refrescar. Havia comido uma maçã e isso, segundo Jó, era bom. Talvez devesse ler melhor a página trinta, onde dizia que o motor deveria estar ligado. Girar da chave, primeiras tentativas, e nada. Bancos macios, painel com cheiro plástico, um rádio que não sintonizava Michel Teló, benza Ares! Motores a ignição não funcionam num planeta onde impera os frutos dióxidos atmosféricos de uma civilização altamente industrial movida a combustível fóssil, eu deveria ter aprendido isso no último Enem. Agora era tudo pó vermelho, já que a crise econômica chegou aqui via robô Opportunity, e o Eiki Batista não tinha nenhuma  culpa nisso, nem a Andrade Gutierrez.  Abri uma lata de guaraná fruki, e a mesma  estava quente.
Tons cobres, terra vermelha como a zona rural de Jaguapitã, e não estou cometendo um eco de linguagem. Rapidamente pensei numa sandália prata com strass, ainda que o prata não esteja na moda (e não tente convencer uma curitibana a não usar prata, nunca!). Uma Barbarella vestindo maiô de couro preto, cabelo alisado penteado para trás, segurando uma pistola com silenciador, fazendo beicinho, se é que o robô Spirit ainda não tenha coletado esta amostra e dissecado para pesquisas. Um enxame de bactérias comedoras de arsênico liberou-me conjecturas sobre o pagamento (ou não) do IPVA. Em qual banco? Qual o final da placa? Nem placa tinha! A vendedora da concessionária  perguntou Que letras você quer? Nunca pensei em letras para a placa. Se eu fosse gay poderia ser GAY, se fosse cristão poderia ser FEE, ou com uma BMW nas mãos seria BMV (me lembrei de quando o brasileiro não conhecia a letra W e dizia “dobrevê”, isso foi décadas antes do advento do Windows). FUK. Ao invés de me oferecer letras, eu poderia ganhar um desconto, um cooler, um guarda-sol de lona grossa anti raios UVA/UVB. O robô Spirit fotografaria o auto sem placa andando pelos Valles e mandaria direto pro DETRAN, via fax. Canaletas já existiam, só faltavam as ciclovias e os biarticulados. Minha vó falava dobrevê.
Abri outra lata de guaraná polar, estava ainda mais quente. Morreria sufocado. Caso abrisse a janela, mais sufocado ainda. CD do Carrapicho tocando. Vermelhou, o curral. Bimbolar os dedos no guidón. Boi bandido, boi caprichoso. Vaca foi pro brejo, atolou. Massagem facial no espelho retrovisor  (técnica ensinada pela Xuxa no Esquenta). Respirar o resquício de oxigênio do carpete. Sentir uma ponta de culpa, já que vou perder mais uma sessão de terapia, e não há shopping center que cure a insignificância de nascer e puxar a descarga do vaso. Pense como um marciano, aja como um marciano. O cobre nunca sai da passarela do fashion Rio. 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A Lenda de Tomazoni


A principal função de Tomazoni no castelo era ficar na amurada esperando as pedras da catapulta. 
A posição era fundamental, deveria ser em ângulo reto com a trajetória da bala. Então ele esperava, esperava, esperava, e quando faltavam poucos metros pra atingir deveria gritar MERCADO!, ou CASA DE ARMAS!, ou PÁTIO!, e se jogava pro lado. 
Tomazoni era um anão. 
Talvez esse detalhe não tenha crescidas importâncias, porém, do ponto de vista militar, ajudava a evitar acidentes e perdas mais graves para a infantaria do duque de Curitizábria, agregado do Ducado de Milano, parceiro comercial de Ferrara, obediente ao Papado de Roma, colega da Córsega no torneiro de truco e testemunha dos sicilianos no rebaixamento da Juventus em 06. Ano passado uma bala tirou o dedo médio de Tomazoni, mas isso foi tratado com desdém, já que era um dedinho insignificante. Bateu um vento forte nas costas e desviou a trajetória da pedra. Levou umas horas pra tirá-la de cima de Tomazoni, coitado, mas deu tudo certo. E isso trouxe ideias pro exército inimigo...
Um tal de Da Vinci foi contratado a peso de ouro pelos venezianos (aqueles anfíbios!), e inventou catapultas mais modernas, o que fez Tomazoni prestar queixa no Sindicato. Na primeira batalha, gritou GALINHEIRO e caiu na capela da plebe. Na segunda, a pedra lhe tirou a orelha direita e parte do rosto. CORNO, VIADO, gritava Tomazoni, sacudindo a única mão que ainda lhe restava. Da colina, Da Vinci dava risadinhas. As pedras viravam jabulanis nas catapultas de Da Vinci, eram quase teleguiadas. Uma vez Tomazoni correu por toda a amurada, e a pedra ia atrás, dando petelecos na única orelha. Claro que o Sindicato não acreditou nessa história, e negou a demissão. AGORA É PESSOAL, gritou o pobre anão. Quando só lhe restava o tronco, o pescoço e parte da cabeça, Tomazoni chamou sua prima, uma gorda de cabelo seboso. Ela veio, pegou-o no colo, e encheu de beijinhos. Tomazoni deu o endereço de Da Vinci e disse VAI LÁ E PEDE UM AUTO-RETRATO. O cientista inimigo nunca mais deu o ar da graça no campo de batalha. Seu exército, burro, fazia as pedras caírem na própria cavalaria e até no lanceiro de Covigo. Tomazoni era o herói. O povo o pegava no pátio, rastejando, e jogava para o alto, com um Tomazoni cheio de sorrisos.