Tomazoni, nosso
atemporal soldado-anão das aspas bem citadas, agora trabalha num disk-auxílio.
- Tele-suicídio: aqui
você olha para baixo, e a gente dá o empurrãozinho. Boa noite. Em que posso ser
útil?
- Eu quero morrer...
- Sim, e teria outra
razão pra nos ligar? Você se acha especial porque quer morrer? Quantos
esclarecidos não me ligam toda a noite querendo o mesmo, hein?
- É, acho que comecei
mal... É que decidi isso faz 5 minutos. Antes eu estava colocando minhas
desilusões no papel, pensei em publicar um livro até e...
- Onde você se encontra
agora, infeliz criatura?
- No meu apartamento.
- E seu apartamento no
centro antigo tem um colchão no piso de tacos que lhe serve de cama? Terminou
recentemente uma relação amorosa com uma bela mulher? Trata um gato de rua como
seu melhor amigo? Se masturba pensando na subversividade do gesto diante da
mediocridade social imposta?
- Isso! Como você sabe?
E, ainda por cima, eu curso Letras!
- Perfeito! Então
publique seu livro em primeira pessoa, seja chamado para grandes eventos
culturais, desenhe quadrinhos e jogue vídeo-game. Um escritor medíocre de
sucesso é melhor do que nada... E, depois de tudo isso, e somente depois de tudo isso, volte a me ligar. Todo escritor hype, depois de morto, vira objeto de
cult.
- Nossa, eu até tenho o
David Foster Wallace na parede do quarto...
- Perfeito, garoto! Já está entrando no clima dos sete palmos subway style, tá ligado?! E pra seguir em frente, o que te
mínguas, índio véio?
- Não...
- Não?
- Não...
- Não?
- Não... Eu quero
morrer hoje...
- Sábia decisão! Vamos
então à parte prática: já colocou o Unplugged do Nirvana pra tocar?
- Sim, tenho o vinil.
- Ótimo, um vinil
sempre deixa o suicídio mais indie-vintage descoladinho. Orgulho de você,
garoto! Já abriu o gás do forno e enviou a cabeça dentro?
- Botijão está vazio.
- Cazzo! Mas vamos
lá... Desligue o Nirvana, já que você não vai atingir ele mesmo, certo? Hehe,
sacanagem... Tente outro álbum. Hum... Tente o Hail to the Thief, do Radiohead.
E abrace um livro da Zibia pra partir bem acompanhado. Têm eles aí?
- Sim. Mas... Você me
espera? Não vai desligar? Promete?
- Claro que não,
garoto! Minha função é te ajudar “a ter a pá de cal sobre suas veias”.
- Bonito isso, vou
anotar. Quem foi que disse?
- Um cara lá da
Cracóvia.
- Hã... já volto.
(...)
- Tô aqui.
- Continuemos, pois. Tu
queres uma morte rápida ou uma morte lenta, “morte triste, dolorida”, como já
dizia Teixerinha.
- Teixerinha?! Ãã...
Acho que quero uma morte lenta, eu quero sentir a dor da espera em minha rubra
seiva vital nesta madrugada que cai lúgubre e...
- Tá bom, tá bom, chega
de clichês, deus do céu! Cacete... Como amo meu trabalho! Faz o seguinte:
engole dez Mentos e vira um litrão de coca-cola. Dá cinco cambalhotas e faz a
oração da cabra-preta, depois chama o Samu pra recolher. Tá compreendido, hein
ôô...
- Vou lá buscar, pera
só um pouquinho.
(...)
- Voltei. Mas...
Podemos conversar um pouco antes de...
- É seu direito, guri.
Qual é sua orientação polítca?
- Sou esquerda. Toda a
galera da facul é esquerda. Meu pai diz pra eu votar nos tucanos, e eu sempre
voto nos tucanos, pois os tucanos sim que fazem uma oposição mais inteligente
que os socialistas. Neo-liberalismo é a melhor esquerda que existe, até porque...
- Tá certo, ta certo... Garoto esperto, hein! Agora vira as cambalhotas. E come um doce, come um doce.