quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

o Christmas do noel

   Obrigado, meu velho, pela visão deslumbrante que tive: 2 pessoas se esbofetiando no trânsito, enquanto as caixas de som ecoam o natal da Simone. Alegria, é chegado o tempo de paz, irmãos.
   Obrigado, meu bom velhinho, pela quantidade de gente no supermercado, comprando, escolhendo, chama o vô!, camisa azul, bombacha e alpargata, de chapéu, tá perdido olhando o preço da batata marrom, o preço da batata branca, o preço da batata.
   Obrigado, meu bom velho, pelo calor, pelo movimento, pelas filas de carros e filas de carrinhos e filas de cavalos e filas de gado, os mugidos e buzinas, as fotos do natal luz. O homem parado no meio da rua, erguendo a câmera, boca aberta, dois minutos para tirar a foto do anjo de LED no poste, sua trombeta anunciando, dois minutos e meio para tirar a foto do anjo enquanto os carros estão parados, buzinando, a lua é crescente e fina, não reparam, três minutos e câmera erguida para tirar a foto, a melhor foto, a foto, vâmo, Chacó! Che-Êga de danta foto! isso tu nem enxerga tepois... Álo, vâmo, uma veiz! Schnell! os garo chá tão tudo buzinando! E Jacó tira a foto, de boca aberta.
   Obrigado, meu bom velho, por mais um ano de Simone tocando nos alto-falantes do mercado. E nos alto-falantes do poste do centro. E na loja que a loirinha foi atenciosa pra vender a regata na véspera, que horas a gente sai hoje? Seis horas, já falei, responde a gerente. Sempre tem alguém para comprar mais algo às seis horas, mesmo ao som do din-don din-don din-don da Simone que bate o sino da matriz pro papai-noel trazer o presente para a vovó e o vovô. Ainda que seja uma regata.
  Obrigado, meu bom velho, pelo supermercado novo na cidade. Agora são mais 3 supermercados novos na cidade. Tudo coisa dessa prefeita nova que liberou novos alvarás, pois antes só dois dominavam a cidade. Tudo coisa dessa prefeita nova da cidade, shuátz, ainda por cima, tú liba gôt! O segurança é shuátz, isso é o certo, impõe respeito nos malandros, e veio do Haiti, mas agora uma prefeita ser shuátz?! e ainda por cima mulher?! isso non é o certo! por isso tanto mercado novo! por isso tanta chente nesse mercado novo gastando o que nem pode, e nem caderno tem nos caixa pra pedi pra anotá e pagá depois em chanêro, depois do IPVA do auto, isso non é o certo. Chama o vô! e o vô de chapéu tá perdido olhando o preço da batata branca e da batata preta e pensando como ele, plantador de batata, ganha tão pouco pela batata plantada.
   Obrigado, meu bom velho, que chegou o primo lá de Paraná, a irmã lá de Santa Catarina, a coisa não tá fácil: agarraram tudo e foram embora. Só deixaram o sofá. Hoje de noite vamos colocar os pingos nos Í's, a mãe tá doente e nem pra ajudar tu pode. Nem pra ajudar na louça tu pode. Nem pra segurar a língua na hora de comentar o sal no arroz tu pode. Vamos todos apontar nossos dedos, vamos todos quebrar copos, gritar, gritar, pois ninguém nos escuta, vamos todos encher a cara pra aguentar gente nossa que não se aguenta sóbrio, e pisar fundo, ninguém aguenta mais um ano desse jeito. Ninguém aguenta mais um ano desse jeito. Ninguém aguenta mais do mesmo desse jeito.
      Obrigado, meu velhinho, o lixeiro passa hoje. 
   Obrigado, meu bom velho, que nem de aniversário está: a trombeta está na boca do anjo de LED. Só falta o assopro, João Revelações. O dia do assopro virá, ninguém fica tanto tempo sendo empurrado pela cantora sem enlouquecer um dia. As ruas estão cheias, como nunca dantes. A cidade cresceu, como nunca dantes. E o ano de 2014 foi ruim. 
   Obrigado, meu bom velho, não sei por quê, hoje nem ao menos é seu dia.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Retóricas do Subsolo

 Eu me animo junto à excitação dos sabiás quando sobre o monte de terra recém movido, dentro da valeta que receberá os canos e o sumidouro, ciscando e olhando, atentos, algo que se move.
 Pois as minhocas não tem culpa.
 O que o homem abriu, a minhoca, descoberta, acaba vítima. Teve sua terra cortada à maquina, as aves aproveitam. O sabiá vê ali uma grande oportunidade de enriquecimento, pouco preocupado com a finalidade da valeta. Enriquecimento corporal, sobrevivência à esses tempos químicos, barriga cheia, (um médico disse que não somos passarinhos pra comer tanta granola), uma picanha, quem sabe?, um belo filé com gosto de terra. A minhoca cobre-se de desespero agora desnuda, arejada, inquieta.
 Eu desconheço o gosto da minhoca, pergunte à um excêntrico. O sabiá mastiga primeiro sua cabeça (ou rabo, tampouco sei sobre frentes e versos deste ser), o que lhe dificulta o equilíbrio e lhe causa uma leve labirintite. Depois, engole. Mas antes, antes de engolir, antes, ainda, ela treme antes de engolir, e nossa vontade de comer nissin lámem talvez seja a projeção, no incosciente, de um desejo oriental de se saborear minhoca, e aqui falo de humanos, pois desconheço o inconsciente coletivo dos sabiás.
 Escargots e foie gras, isso só em Paris (com uma leve degustação antes do embarque). Outros quinhentos. O ganso é alimentado com um excedente de ração, muita ração, bastante ração goela abaixo, o ganso não consegue nem pensar de tanta ração por sua boca, por sua garganta com ração, uma quantidade enorme de ração, e depois CRAU! no seu fígado. Doa o seu fígado, comem o seu figado, esses franceses. Fotos, selfies, abracinhos da mesmice paraguaia. É preciso ser franqueado em algum setor beneficiado.
 Por enquanto, as minhocas. E o canto do sabiá, que inaugura a manhã e, surpresa!, a terra se abre. No monte preto, o desjejum.