quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Retóricas do Subsolo

 Eu me animo junto à excitação dos sabiás quando sobre o monte de terra recém movido, dentro da valeta que receberá os canos e o sumidouro, ciscando e olhando, atentos, algo que se move.
 Pois as minhocas não tem culpa.
 O que o homem abriu, a minhoca, descoberta, acaba vítima. Teve sua terra cortada à maquina, as aves aproveitam. O sabiá vê ali uma grande oportunidade de enriquecimento, pouco preocupado com a finalidade da valeta. Enriquecimento corporal, sobrevivência à esses tempos químicos, barriga cheia, (um médico disse que não somos passarinhos pra comer tanta granola), uma picanha, quem sabe?, um belo filé com gosto de terra. A minhoca cobre-se de desespero agora desnuda, arejada, inquieta.
 Eu desconheço o gosto da minhoca, pergunte à um excêntrico. O sabiá mastiga primeiro sua cabeça (ou rabo, tampouco sei sobre frentes e versos deste ser), o que lhe dificulta o equilíbrio e lhe causa uma leve labirintite. Depois, engole. Mas antes, antes de engolir, antes, ainda, ela treme antes de engolir, e nossa vontade de comer nissin lámem talvez seja a projeção, no incosciente, de um desejo oriental de se saborear minhoca, e aqui falo de humanos, pois desconheço o inconsciente coletivo dos sabiás.
 Escargots e foie gras, isso só em Paris (com uma leve degustação antes do embarque). Outros quinhentos. O ganso é alimentado com um excedente de ração, muita ração, bastante ração goela abaixo, o ganso não consegue nem pensar de tanta ração por sua boca, por sua garganta com ração, uma quantidade enorme de ração, e depois CRAU! no seu fígado. Doa o seu fígado, comem o seu figado, esses franceses. Fotos, selfies, abracinhos da mesmice paraguaia. É preciso ser franqueado em algum setor beneficiado.
 Por enquanto, as minhocas. E o canto do sabiá, que inaugura a manhã e, surpresa!, a terra se abre. No monte preto, o desjejum.

2 comentários:

  1. Que!Texto! Essa prosopopeia deliciosa e todo o encanto em torno.Espetáculo mesmo!

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  2. Adorei o modo como usou a linguagem, um texto realmente inteligente. E sim, eu adoro nissin lámem...

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