quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A Narrativa Roussef

  A presidente Dilma não faz literatura existencialista. Não cria personagens em conflito morando em grandes cidades, habitando apartamentos vazios e áridos pela solidão politana.
  Com a chegada dos médicos cubanos, a presidente Dilma cria um enredo provocativo, com heróis, supostos vilões vestindo-se de heróis, respostas e aventuras.
  Existe uma crise. Um ato vai tentar corrigir essa crise. A burguesia "bem-pensante" se voltará contra esse ato, em respeito à classe dos médicos. A classe reacionária usará seus instrumentos para manipular nossa admirável classe média e colocar na sua cabeça que o ato é falho, inadmissível e deplorável. A classe média, em eterno retorno, será manobrada pela sua TV das 21 horas, já que um médico descente tem que ter pele branca, cabelo branco, macho e homofóbico (ou seja, deve ser o Antônio Fagundes). O escritora inova aqui, definindo o personagem como um grupo de pessoas, não apenas um (sem falar nos VÂNDALOS, que entrará(ão) também na história).
  O médico cubano é o "professor Langdon" de O CÓDIGO DA VINCI (vou usar esse exemplo tosco, pois de nada vai adiantar eu citar Raskolnikov ou Riobaldo, já que a nossa classe média gosta de Dan Brown e Paulo Coelho). Assim como Langdon vai quebrar a moral e os bons costumes, dizendo que Jesus trepou com uma biscate e teve um filho, o Médico Cubano vai tentar quebrar as acusações com dedicação e trabalho. Não sobrarão atentados, envenenamento, clima ruim e falsas acusações nos postos de saúde, todos perpetrados, claro, por Antônio Fagundes, o fazendeiro-mor do Sírio-Libanês. Os planos venderão mais, o SUS será escrachado e o Fluminense ficará feliz com o aumento da verba do seu principal patrocinador.
  Uns chamarão de folhetim, outros chamarão de romance histórico, a verdade é que a narrativa Roussef está longe de acabar. Ou o leitor se confraterniza com o herói carismático que luta pelos plebeus, ou o expulsará de volta à sua ilha. 
  Outra visão tosca seria uma analogia com o estruturalismo. O centro da narrativa é o Médico Cubano, somente os atos do Médico Cubano, seus erros, seus acertos, e nada mais! Nada de Antônio Fagundes manobrando intrigas, nada de jornalismo reacionário, nada de politização (politização? o que tem a ver isso nesse enredo todo?). Mas deixe Umberto Eco com sua fuça em cima da obra e vamos olhar em volta. Vamos nos informar mais, vamos tentar entender a narrativa Roussef. 
  Ou, talvez, visitar um posto de saúde. E estudar medicina preventiva. Ver o contexto histórico-político-moral de uma sociedade é recomendado pela bula antes de ler a obra.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Morro Cantagalo e Mais Além - A Segunda Parte

   Final de 2002. Os atletas de cristo de 99 já eram história. E a limpa feita no time da Azenha surtira efeito: conquista da Copa do Brasil em 2001, uma quase final de Libertadores em 2002 (derrota nos pênaltis para o Olímpia), um time azeitado. O centenário do clube seria comemorado com louros e faixas.
   Porém o Sobrenatural de Almeida, de caso com o lado negro da Força, preparava sua vingança contra a sacrossanta imagem do Cristo. Isso não ia ficar assim, não ia! Era preciso o dedo erguido aos céus, e comunista aqui que fosse pra Cuba! 
   O presidente do time da Azenha somava todos os encostos da Bahia para baixo, inclusive aquele forte lá do Morro Santa Tereza. Um pé de gelo. Incompetência, brigas, a quase queda em 2003 e o reveillon em Punta del Este trazendo as piores frentes frias da história azul.
    2004 e os Atletas de Cristo (agora com sede própria (Carandiru, pavilhão 7, fundos)) contra-atacam. Sim! Não fizeram nada, apenas pediram justiça divina. Exu enclausurado. Tonturas da direção, nebulosidade, 150 mil para contratações e os salários talvez, talvez, em dia. Mandinga. Galinha preta enterrada na Praça do Papa. Vodoo. Sim, vodoo também, pois chegou um atacante panamenho, ex-presidiário, chamado Garces, depois de ter esfaqueado a mulher. Foi preso agora em 2011, quando reagiu à tiros a voz de prisão. Esse tipo de elemento compunha o grupo naquele corrente ano. Outros supostos atletas  eram Tavarelli no gol (e a lembrança não te trás arrepios?); o panamenho Baloy; Saraiva; Cocito; Ratinho; Fábio Bilica; Zulu e Rico.
   [Adendo: Saraiva foi roubado do Inter e anunciado pelo pediatra Saul Berdichevski, então vice-de-futebol, como o novo Falcão. Fábio "Birita" tinha uma amante italiana, e essa mesma causou barraco em um dos treinos.  Cocito, posteriormente, ajudou a afundar outros times. Berdichevski, em outra pérola, disse que Luciano Ratinho era melhor do que um tal meia que atuava no co-irmão chamado Nilmar. Zulu não era um jogador camaronês.]
   Um trem sem rumo, sem comando. O presidente mais perdedor de toda a história do clube, quando assumiu, mandou às favas todos os empresários, dizendo que ia tratar diretamente com os atletas. Ele se regozijava afirmando que tinha o melhor site de clube de futebol do mundo e o melhor ônibus para levar a delegação.
  O ônibus, então. 
 Essa história me foi passada dois anos atrás, no bar do Farinha, arredores da zona sul de Viamão. Uma tarde quente, o pó cobria o horizonte. O indivíduo me contou toda a história da viagem do time à Curitiba, nas últimas rodadas do campeonato (derrota de 1x0 para o Paraná, e, momentos antes da partida ter início, segundo uma testemunha ocular, Pitbul tomava um chopp na Rua 24Hrs, ao lado do hotel, acompanhado de duas moças). Não vou entrar em detalhes sobre o que acontecia no idolatrado Trovão Azul, dito cujo ônibus de dois andares, mas a farra correu solta em todo o trajeto. Um dos roupeiros, incomodado com o barulho, foi tentar dormir na poltrona 36 e seus olhos viram dois dos atletas do time se masturbando mutuamente. O horror, o horror!!
  A queda, a vergonha, o fundo do poço. Até quis largar a crônica esportiva na época. Ser correspondente internacional, travar textos nos suplementos de cultura, qualquer coisa, qualquer coisa! Ah, pro diabos o time do meu coração. Não devemos misturar as paixões, dizia um antigo professor meu. Eu era voraz em meus comentários, até estampido de tiro escutava no meio da noite. Com dirigentes não se brinca. 
  Corria o 30 de outubro, contra o Palmeiras, longe de casa (nosso estádio, interditado). O zagueiro panamenho Baloy, amigo do pistoleiro Garcês, é expulso quando ganhávamos de 2x0. Faltando 10min pro fim, o gol de empate do Palmeiras, gol de mão. O goleiro tricolor reclama e é expulso também. Bêbado, Fábio Birita vai pro gol. Quatro jogadores palmeirenses estão impedidos aos 48min do segundo tempo, um deles faz gol. Derrota. Deus, então, sorri aliviado. A queda foi decretada no dia 28 de novembro.
  Os atletas de cristo respiraram fundo, a justiça havia sido feita.
  2005 e as renegociações. Um clube falido, quebrado. As forças do bem deveriam ser trazidas de volta. Uma troca de técnico (normal, normal...) e, na madrugada da primeira partida, chega o treinador do Caxias, campeão gaúcho. El Mano de Diós, a torcida sempre idolatrava essa baboseira platina. Jogo de portões fechados, no estádio do co-irmão, dava pra se escutar o grilo embaixo das traves.
 Mas vamos nos focar nas negociações. Deus, fazendo-se representado por seu advogado, dá sinais de retomada quando não dá o penalti no Tinga, expulsa o mesmo, e o Corinthians empata com o time do Beira-Rio em 1x1. O resultado deu o título ao time de São Jorge, deixando irritado o co-irmão. Pipocam foguetes na Azenha, e eu me lembro muito bem deste jogo, assistido lá no alto do Cantagalo.
    A decisão final entre Deus e a direção fica para o nervoso 26 de Novembro, mesma data da final do Campeonato Brasileiro da Série B, o jogo que decidiria o céu ou o inferno, a subida ou a alma no purgatório, num estádio que trazia no nome todas as paradas cardíacas em corações apaixonados: Estádio dos Aflitos. O representante do clube diz que a sua instituição é laica, e tenta medir forças com a Glória Divina. Não dá outra: pênalti para o Náutico. Aos 31min do primeiro tempo. O representante do clube apela, Deus concorda. Cobrança cobrada, bola na trave. A conversa prossegue. Segundo tempo, Deus começa a desistir. Escalona é expulso. Agora temos dez em campo. Nervosismo. A Divina Providência se levanta e quer abandonar as negociações. Pênalti para o Náutico. Um jogador é expulso. Agora nosso time tem 9. Alguns jogadores vêem a morte, os demônios. O pavor toma conta. Outro jogador é expulso. Agora são 8. Vinte minutos de tensão. Mandaram embora os atletas de cristo, agora sofram as consequências. Seriam mais alguns anos de inferno. Mais um expulso. 7. O representante ora. E adianta orar agora? Brincaram com a Divindade! E foi isso mesmo que aconteceu, eu sei, eu tenho a história na mão, com exclusividade. Deus volta e senta junto à mesa. O penalti é batido e o goleiro pega. Agora são 7 contra 11. Deus fala apenas uma coisa: Anderson. O jogador leva falta. Cobra, recebe, parte pra cima de um, dois, tres, e faz o gol. O jogo termina. Mais de seis milhoes de seres vestindo mantos azuis rezam. 
  O time nunca mais deixará de ser cristão. 
  Até porque não ter religião é coisa de comunista (e o comunismo é vermelho).