sábado, 6 de abril de 2013

Considerações sobre o poema na água

   Se é pra ser igual a todo mundo meu narrador vai ser eu mesmo, escritor-alter, com crise de identidade na metrópole vermífuga, diarreia existencialista borrando fraldas de mim mesmo só pra ser igual a todo mundo.
  E só pra ser igual a todo mundo vou citar Pessoa, Guimarães, Camus, e também vou falar do humor subsubsubliminar de Foster Wallace, a festa da lagosta, que transcende a realidade e, claro, Róff, Filipe Róff, assim eu saio um pouco do academicismo, pra citar caras modernos e ser mais igual a todo mundo.
   E só pra escrever como todo mundo eu, o narrador de mim mesmo (não o escritor-alter nem o escritor que seca a louça), em primeira pessoa (aquela tabelinha dos verbos, lembra?), vou usar recursos estilísticos de primeira grandeza, porque terceira dá bronze, e defecar-lhes-ei sobre vossas cabeças meu niilismo social auto-egocentrístico marxista, só pra mim ganhar cerveja no boteco descolado e comer umas gurias tatuadas com borboleta. Escreverei diálogos com dois pontos
   - travessão
entre vô e neto, discutindo banalidades e, caindo então, em assuntos etéreos, como tempo, bibelôs, alfazema e caturritas, dizendo muito em pequenos assuntos, depois virá um fluxo de consciência, analépse, uma prolépse, e dois bolinhos de soja (a conta, por favor!).
   [Ele era assim desde pequeno. Eu falava pra mãe botar ele na escolinha de futebol, até comprei chuteira! Disse que apertava... Bota o guri pra brincar na rua, bota o guri pra atirar com a funda, mas não! Vivia enfiado naqueles livro dele... Agora inventou essa de publicar. Pra mim, coisa de boiola.]
   Escreverei no meio desta praça entorpecida de humanos, eu mesmo e meu caderninho, eu mesmo no chão do apartamento vazio. O vazio, o vazio!
   Só pra ser igual a todo mundo vou criar extensos diálogos com o propósito de parir personagens polifônicos de múltiplas identidades,  axiológicos bakhtinianos, tão diferentes quanto um surfista, um filósofo, um coletor de resíduos e um pastor (todos votarão no FHC). Só pra ser igual a todo mundo viverei uma crise sem precedentes na história do meu apartamento universitário, bolorento das lágrimas derramadas pela menina que partiu, e escreverei, escrever-lhes-ei, contarei tudo como aconteceu, em primeira pessoa, frenético, o canudinho me servirá o nescau gelado.